Fluoxetina


De cloridrato eu trago. Como um fumante que traga para acalmar os nervos, eu tomo um para não tomar dois de voce. Tomo um e me torno sonolenta demais ou insolente ate ser. Deixo que o efeito me encha do que não consigo me preencher. Os efeitos colaterais silenciam o que ainda sinto por você. Seria tão errado assim admitir ou querer?


Empurro para longe qualquer sentimento que me traga de volta aos nossos tempos. E é assim, quando ainda te vejo. Quando as cartas são escritas, destinadas a um remetente, sem nunca serem enviadas. A caneta descreve que o que existe é tão duradouro que nem o passageiro do trem mais proximo entenderia.


Paguei a passagem e sento-me a espera que minhas desculpas sejam ir embora, e mesmo quando os trilhos começam a passar, ainda vejo voce do lado de fora da janela. Ficando para trás desviando do meu olhar. A proxima parada, eu ainda não sei qual é.


Poderá ser a mais distante que já cheguei. Um nome que não saberei pronunciar, um sonho que nunca quis sonhar e assim as paradas vão se distanciando de mim, como se me levassem para longe de tudo e todos. O passado passando nos visores, os raios de futuro anunciando chegadas ou idas, novamente.


E então eu, a mesma que te insiste em dizer não, quer dizer sim a maior parte do tempo. As desculpas que não curam magoas, mas apontam para começos e recomeços. Se é assim, que pessoas partem, ela se vai e eu também. Olhando a paisagem, com o pensamento longe e distante. Longe e ainda perto, ausente e mesmo assim presente.


Levo-me para o mais longe das minhas desculpas.



Escombros

1802



Estou com saudade de casa. Quando os lençóis ficavam desarrumados, mas ele arrumava a cama que eu bagunçava. E depois me jogava de novo nela, para destruímos outra vez. Do café posto na mesa e de te ver fazendo. O cheiro que subia era tão incrivel quanto te ver na cozinha, embalado pela música antiga.


Eu não sei desarmar uma guerra, mas consigo te desarmar inteira. O toque pelo pescoço, o roçar da barba na sua bochecha, o riscar dos meus lábios nos seus, o olhar que vai dizer muito sem te dizer nada. As mãos que vão passeando por suas linhas, desenhando suas curvas , segurando cada parte sua.


A batalha começa quando nossas bocas vão dizendo o que queremos fazer. Demonstrar para, de fato, aproveitar que estamos juntos, lado a lado, nunca um contra o outro. Beijos terão a força de um momento, suspiros serão o inicio da nossa jornada e começaremos a partir dali ou de lá. Onde quiseres começar.


Como uma dança, dançaremos a noite inteira. Eu darei o primeiro passo e voce seguirá a minha deixa. Deite-se, vire de lado, deixa que eu suba em voce e depois inverta. Os lençóis ficarão ensopados pelo fogo que nos incendeia. Daremos mais um passo e outro, até o momento que cansarmos e gemidos serem os únicos sons que escutaremos.


E eu vou deixar, voce me ver para compreender que somos a parte inteira de duas metades quase imperfeitas. Não precisamos nos partir para juntar. Seu olhar me faz orbitar como um planeta, em torno de voce. E como o sol sente falta da lua, eu sinto sua falta e essa distancia que nos afasta, me ateia.


Nos escombros dos meus detalhes, eu quero os seus para nos reconstruímos, pouco a pouco. Formamos o que nunca poderia ter sido desistido. Te olharei na certeza que você é minha: metade e inteira. 


Dorme tranquila


Pode continuar me olhando, mas quando o sono vier, deixe-o vir até você. Feche seus olhos e eu estarei aqui, do seu lado, penteando seus cabelos, tocando sua pele e te fitando como se fosse a primeira vez que te vejo.


Com os olhos fechados, escuto o som da sua respiração: ritmada, quase tranquila e embalada pela noite fria no nosso inverno de verão. Guardo essa imagem e como você fica quando descansa sua mente das suas preocupações; ignora suas inseguranças e endireita o corpo no meu. Para que se encaixe e se aqueça de qualquer arrepio que venha ter.


E como não esperava, terá a paz de uma noite, pelo menos uma em que você sonhe com cada realização que possa ter, cada sonho de um futuro interrompido. Fico no silencio aguardando que de um leve sorriso, que demonstre que pelo menos aqui, descansa e se sente leve, calma e um pouco feliz.


Dorme tranquila, que amanha um novo sol surgirá e todas as lágrimas de hoje plantarão sorrisos na proxima fase. Insisto que fique aqui, mesmo que a paz não reine todos os dias. Mesmo quando o caos libera palavras e gestos que não são nossos, nem seus, nem meus,


Deixe que os espinhos machuquem seus pés, que os pensamentos ruins venham e vão. Fale que está tudo bem, quando quer dizer socorro. Oculta o quanto machucada está, mas ainda reparo nas entrelinhas do seu sorriso que há muito que nao consegue dizer, mas te entendo. De verdade, os sinais ocultos, o coração esfriado e o abraço que te dou enquanto sua respiração ritmada continua.


A cada farpa que surgir, te prepare para andar sem medo de se machucar, sem temer que dias ruins são acompanhados de dias bons. Nas chuvas de dores passadas, nas cicatrizes, você dorme triste, mas ainda dorme, com a mesma esperança que recomeços surjam. As doces noticiais hão de vir. Eu te cuido no silencio se voce confiar em mim. 

Desaparecida

1506



 Aponta-se para o horizonte, mas mal vê que o farol aceso vai se apagar. Estende o corpo buscando por qualquer faísca para nao te ascender. Embarca sozinho, na certeza que em breve vai esquecer a terra firme onde criou laços e viveu felizes.


De longe, a vê, se demora até que seus contornos sumam de vista. Os cabelos que passam dos ombros, o desenhar das curvas; o sorriso dado abertamente e os olhos que resumiam tudo. Como uma página, ela fica, mas voce vira. História passada.


A costa some aos poucos. A casa fica pequena, mas por dentro aperta-se inteira para te caber. O por do sol cai, como todos os dias desde então, como as neblinas dentro dos olhos de quem se vê. Três dias em alto mar e mais ainda longe de ser real, até aceitar ser.


Quando mais longe se vai, mais se aproxima do que acredita não mais existir ou finge que não quer voltar a costa, onde era seguro estar. Joga a ancora no profundo azul do mar, na vã esperança que prender-se a algo vai esquecer a experiencia que a ilha trouxe.


Declara-se inocente, mas não inocenta o outro lado que agora some de vista. Nas muitas evidencias da sua partida, ficaremos a mercê de uma despedida ou no aguardo de mais uma vinda. 


Deixando-se desaparecer dos outros meios. Mergulhado do outro lado do oceano que nos separa e que um dia prometemos um ao outro que seriamos amores por toda uma vida. 


E de certa forma, ainda é. Continuo desaparecida e voce também, sem torcer por reencontros, porque não suportaria outra despedida. Sinceramente, nem pelo tempo deixaria voce desaparecer de mim.

Lado B



Quando voce nao tem mais nada o que dar, elas ainda ficam. Quando nos dias mais escuros, elas te consolaram e nao te deixaram desanimar, elas permanecem. Quando a dor é grande e extravasa, elas deixam voce para crescer e dao as mãos porque so o tempo há de fazer.


Voce escreve para colocar para fora o que queria contar, mas se reserva para quem confia e se confiar é uma tarefa dificil. É raro encontrar alguem que voce poderia passar horas olhando e nao se cansaria. Poderia contar a coisa mais boba e nao esperaria julgamento.


Nunca foi facil conversar, mas é compassivo falar e ser ouvido. No olhar compreensivo, no toque calmante, no abraço mais quente. Se há muito o que falar, se guarda, mas não prende. Desabafa nas lágrims que caem como a chuva fina. No segurar das mãos e no firmar dos dedos, como se dissesse ao mundo: estou aqui mesmo que voce nao esteja inteiro.


Do meu lado B, faria uma lista com tudo o que mudou nos ultimos tempos, mas também o que ficou. Não há voltas, mas as mudanças chegaram. Tem dias bons e também ruins. Aquele que a chuva é a representação perfeita do quanto estou despedaçada.


Não há sorrisos tão sinceros, palavras tão verdadeiras, apenas o que existe , mas poucos conseguiriam segurar nas mãos o coraçao. O olhar perdido é mais vago que antes. O vazio não consegue ser preenchido. É como se a palavra que eu mais temesse estivesse voltando, mas ela nunca se foi. Não de verdade.


Só a deixei de lado, fingindo que ela não existia para que não precisasse encarar meu maior desafio: não sucumbir, não chorar, não desmoronar. E dia apos dia, voce pensa que não seria tão ruim sumir mais um pouco. Mudar de nome, fingir ser outra pessoa. Com um alter ego que com a cabeça erguida, com o olhar determinado superasse a tristeza que insiste em ficar.

 

O diagnóstico já foi dado. O CID foi designado e desse lado, enfrento a minha versão mais séria, menos aberta e que permanece escondida em um esconderijo que nem mesma eu possa encontrar. Não há chaves mais. Só uma proxima partida.

Bia - mora em João Pessoa, PB. Fisioterapeuta, instrutora de pilates e amante da literatura. Sempre foi amante de livros desde criança e em 2014 criou o Blog Meu Coração Literário para compartilhar sua paixão pela escrita e pela leitura.




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