Eu disfarço muito e quase ninguém percebe. Tem um
monte de gente por aí que acha que me conhece o suficiente. Outros tantos acham
que sabem o bastante sobre a minha vida. Entra no meu mundinho quem eu deixo.
Acho que a gente não deve escancarar a vida, tem coisa que é só nossa e de mais
ninguém. Quanto mais a gente dá liberdade para os outros mais eles se sentem no
direito de se intrometer e meter o bedelho. Não gosto, pois da minha vida cuido
eu. Das minhas coisas só eu sei. Do nosso amor a gente é que entende e sente.
Muita gente me acha bem extrovertida e falante. E
eu sou. Mas uso isso como uma espécie de proteção, camuflagem, escudo. No
fundo, acredite, sou tímida. Bem tímida. Sou tão tímida que fico vermelha
quando me envergonho. Vermelha mesmo, pareço um pimentão. E apesar de ser
libriana eu odeio aparecer. Juro.
Sempre tive peito grande, por isso andei com os
ombros curvados por grande parte da adolescência. Tinha vergonha dos peitos, de
pensarem olha-lá-ela-já-tem-peitão. Eu chamava atenção, tinha sardas, era
loira, peituda, bunduda, então tinha vergonha de ser mulher, queria me
esconder, não queria ser notada, não queria me destacar. Era o oposto de todas
as meninas da minha idade: todas queriam chamar atenção de alguma maneira. Eu
queria me esconder do mundo até o fim do mundo.
Na verdade, acho que sempre tive vergonha do meu
lado mulherão. Por isso, até hoje me escondo atrás de meninices. Gosto de
pijamas fofos, coisas com fru-frus, abobadices e coisas queridas em geral. E o
lado mulherão? Cadê a cinta-liga, o batom vermelho, o olhar fatal, a jogada de
cabelo? Não sei. Sei que isso tudo está em algum lugar de mim, mas acho que por
tanto tempo escondi meu lado uau que agora ele brinca de pega-pega comigo.
Tomara que eu consiga ter a coragem de pegá-lo de uma vez e, enfim, não ter a
menor vergonha de me descobrir e ser quem eu, lá no fundo, sou.
Clarissa
Corrêa é gaúcha, redatora publicitária e escritora. Já trabalhou em várias
agências de Porto Alegre: Oxigênio, Super Comunicação, Escala, Martins +
Andrade, e21. É autora de três livros:
Um Pouco do Resto, O amor é poá e Para todos os amores errados e também é
colunista do site da revista TPM.